sábado, agosto 30, 2003

Obrigado

É a única palavra que me ocorre dizer ao Carlos «MacGuffin». (O cheque segue na volta do correio).

Gostos discutem-se IV: O Esclarecimento II

O meu caro Comprometido Espectador escreveu:

«Ora, o livro a que o Homem (a Dias) se refere está cá em casa (por acaso é da consorte) e chama-se Escrítica Pop e é de 1982 (não de 1981) e não tem o Mick Jagger na capa mas o Ian Curtis.»

Eu insisto:

O livro a que me refiro está cá em casa, comprei-o quando a minha consorte ainda devia andar de bibe, chama-se «Pop Music/Rock» (por esta hora talvez a obra mais debatida na história da blogosfera pátria), é de 1981, e eu não confundo o Mick Jagger com o Ian Curtis (ainda que o estado de ambos, hoje em dia, seja aproximado). O «Escrítica» é outra coisa, que aliás um qualquer bandalho me roubou há já uns quinze anos.

Gostos discutem-se III: O Esclarecimento

É, pelos vistos o Terras do Nunca tem uma primeira edição do tal «Pop Music/Rock». A minha, já confirmei, é a segunda, é mesmo de 1981, e possui mais MEC que Marx. Melhor.

sexta-feira, agosto 29, 2003

Um outro mundo é possível

Qual é o pior vício exportável dos EUA? Não, não é a caça ao fumador (Hitler lembrou-se primeiro). Não, também não é o Chomsky. Nem o Oliver Stone (ainda que a foto do Público de hoje, disponível na edição impressa, seja um fresco impressionante das misérias da época). Os festivais de rock? Está lá perto, mas não. Se respondeu «o peru», porém, acertou em cheio. Quem, no sábio Velho Mundo, teria imaginado que aquele passaroco grotesco era comestível? E quem, tendo-o provado, não detectou o suave paladar a serrim? E quem, séculos decorridos, se dedicou a embalar a criatura e a vendê-la em supermercados? O que me dói é pensar que aquele vagabundo do Bové pela-se por destruir estabelecimentos da McDonald’s, onde se serve, regra geral, vaca. Vaca? Minha rica Cornélia, meu rico BigMac: cumprir a utopia exige é que unamos as nossas forças, intensas, urgentes e desesperadas, contra a Avibom. Ou aguardar que os nitrofuranos trabalhem a sério e despachem a peste.

Gostos discutem-se II

Para o Comprometido Espectador, o Contra a Corrente, o Retorta e o Terras do Nunca:

Vamos com calma. Eu prefiro de longe o Leonard Cohen à Joni Mitchell. Dentro de uma certa (e discutível) linhagem pop não trocava os discos dele por nada. Tenho todas as biografias possíveis. Os vídeos. O solitário dvd. E foi dele o primeiro concerto que vi, no Dramático de Cascais, em 1985 (comecei pelo céu, depois foi sempre a descer até à abstinência actual, e não acredito que o João Gilberto venha em Outubro).
O que não me impede de reconhecer, de resto à semelhança do próprio LC em diversas ocasiões (parece que eles são velhos amigos), a muito superior musicalidade da senhorita Mitchell, tanto no período folk como nas experiências jazzy ou étnicas de «Hejira» a «Mingus». Verdade que ela não faz um grande disco há vinte e tal anos, mas o último do Cohen (ai) é uma pequenina vergonha, donde me cheira que o «The Future» (de 1992) jamais justificará o nome.
Sobre a devoção pela JM, permito-me informar (se calhar, toda a gente conhece), há um ensaio (olha a pompa) excelente do Miguel Esteves Cardoso, naquela que foi, suponho, a estreia editorial dele: é a tradução de uma palermice francesa chamada «Pop Music/Rock», para a qual o MEC escreveu um apêndice de cento e poucas páginas com uma discografia crítica da década de 70. E que, naturalmente, vale bem o livro. O livro, para aí de 1981, é uma edição da Regra do Jogo e tem, ó inclemência, o Mick Jagger na capa.

E agora três razões para que o Comprometido Espectador comece a detestar-me.
1) Gosto do Canadá, não só pelo LC e pela JM. Gosto dos lagos, das Rocky Mountains, do Jim Carrey, do Lorne Michaels, do Michael J. Fox (!). Deus me ajude: eu até gosto do «Canada Bacon», do charlatão do Moore. E gosto, acima de tudo, do hino, o mais bonito que há.
2) Gosto de folk, escola Greenwich Village. Não tanto da convencional, com «mensagem» e canga militante, mas da que foi «puxada» aos limites, pelo Dylan no «Blonde on Blonde» e pelo Tim Buckley (quase sempre). Às escondidas, porém, chego a ouvir Tim Hardin e o «Pleasures of the Harbor», do Phil Ochs.
3) A JM tem letras «lamentáveis». E outras que são um assombro, vide, por exemplo «A Case of You», do «Blue» e «Song for Sharon», do «Hejira». Ou, que se lixe a franqueza, o «Both Sides Now», que eu adoro sobretudo na genial versão para elevador do Sinatra.

quinta-feira, agosto 28, 2003

Gostos discutem-se

Só não devo estar de acordo com o FJV (que espero tenha recebido o meu mail)em duas ou três questões essenciais. Eis uma. Podemos acusar a Joni Mitchell de tudo: hippie, feminista «après la lettre», «left-winger», ecologista da treta, ex-mulher do Graham Nash e etc. Mas, lírica e musicalmente, a senhora é um talento quase único na história da pop, uma espécie de Cohen menos inteligente e mais dotado. Como brinde adicional, já foi lindíssima. Para conferir o primeiro ponto, ouça o álbum «Blue» e depois diga coisas. Para conferir o segundo, veja «Woman of Heart and Mind: A Life Story», um dvd importado que anda na Fnac. Concedo: o título do dvd é uma lástima.

A propósito de um post do Irreflexões

Está aqui, está a fazer um ano. Lembro-me do João Pereira Coutinho, em minha casa, dizer que tinha arranjado, com dois amigos, «uma treta engraçada». À forma, chamou-lhe blog; àquele blog, a Coluna Infame, «como o livro do Manzoni». Sendo do João, obviamente fui ver, e embora não me tenha abismado logo com a coisa, passei a raras vezes sair da net sem um clique na CI, que depressa saltou para os Favoritos no tecto do monitor. Aos poucos, habituei-me igualmente à existência de diversas «colunas» nacionais, muitas estranhamente bem escritas para os gastos da paróquia.
Por falta de tempo ou paciência, não me passou pela cabeça criar o «meu» blogue, mesmo que, umas ocasiões, os posts da CI e de outros blogues (como o Contra a Corrente e o Intermitente) me suscitassem algum comentário, via mail. Outras ocasiões, o João sugeria que eu integrasse a própria CI, e já nem sei onde pára a password que nunca usei. A CI, sempre o compreendi, era do João, mas também do Pedro Mexia e do Pedro Lomba. Com o primeiro, tomei um café no Porto, dias antes do fim da CI. Ao Pedro Lomba, nunca o conheci de todo. A CI era um caso deles, não meu.
No máximo, enviei para lá meia dúzia de posts, que foram publicados sem comentários, e que me valeram a nomeação, pelo P. Mexia, de «Infame Honorário», título que não mais abandonou o cabeçalho do meu currículo.
Depois, sabe-se, Pacheco Pereira começou o Abrupto, a CI acabou, e os média transformaram os blogues num fenómeno, talvez um nadinha exagerado. Quando a fervura baixou, acordei uma manhã e decidi que um blogue, como o andebol, não me faria mal nenhum. Sucede que eu escrevo e não jogo andebol. E até ver, não há sinais de contra-indicações. Para mim, desde que o pratico, o blogue é um gosto, um gozo, no limite uma disciplina que arregimenta o que não cabe na página 2 do CM ou noutros eventuais sítios. Quanto ao resto, estou como o Francisco: «nunca pensei muito nisso».

O mercado manda

Uma espreitada fugaz ao «site meter» enriqueceu o retrato estatístico do Homem a Dias. Pelo decréscimo abrupto (sem link) das visitas durante o jogo do Benfica, pude constatar que, talvez ao contrário do esperado, o frequentador médio deste blogue é homem, aprecia futebol (?) e integra, possivelmente, os Diabos Vermelhos. Os dados agora apurados, por enquanto em processo de cruzamento e análise, permitirão redefinir a linha editorial do Homem a Dias, de modo a melhor servir o respectivo público-alvo. Para já, contem com um aumento de posts sobre a «mística encarnada», depoimentos de anciãos contemporâneos das «quartas-feiras de glória» e anedotas envolvendo Pinto da Costa. Mal consiga incluir som, nada como ficheiros midi dos hinos do Piçarra e dos UHF, para cantarolar nas tardes de domingo, quando se inaugurar o futuro estádio cujo nome não sei (mas prometo aprender).

quarta-feira, agosto 27, 2003

Light of my life, fire of my loins

Aí pelos cinquenta anos, Paulo Francis garantia ter perdido a paciência para futebol, atletismo e, de resto, todo e qualquer desporto. Com uma excepção: o ténis feminino, «para ver as calcinhas das garotas». Da primeira vez que li a frase, achei-a uma de três coisas: 1) uma das «boutades» gratuitas do PF; 2) efeito de impotência precoce; 3) um sintoma declarado de Alzheimer, dado que a tenista em voga na época era a Martina Navratilova.
A verdade é que ainda tenho trinta e poucos, mas ontem, numa conversa entre amigos, deixei-me distrair pelo televisor do café, que passava em silêncio um «match» do US Open. De um lado, um destroço com nome castelhano que não vem ao caso; do outro, uma menina chamada Maria Sharapova, russa, parecida com a Gwyneth Paltrow e decerto com idade para nos levar à cadeia enquanto o TIC esfrega um olho. De súbito, lembrei-me da Hingis, da Kournikova e de uma ou duas moçoilas cujo apelido se escapou, comparei o conjunto com o interesse que o Benfica-Lazio de logo me desperta, e realizei: eu concordo com o Francis. Concordo com ele e, digo-o com mais surpresa que pesar, estou a ficar velho. Então é assim?

Sem eclipse de dúvida

Saí de casa às dez e sete da manhã. Mesmo a tempo de sintonizar o rádio do carro na TSF e deparar com o «Life on Mars», do David Bowie, em pleno noticiário. Há uns anos, por esta altura, foi o eclipse. Hoje o frenesim é com Marte, que desde que o homem é homem nunca havia estado tão próximo da Terra. Fiquei na dúvida se estas curiosidades celestes tendem a escolher Agosto para se manifestarem, ou se em Agosto se fala delas por falta de assunto. Agorinha mesmo, corri os jornais on-line e a «última hora» geral era a «determinação» de Arafat em combater os grupos palestinianos radicais. Considero-me esclarecido: na «silly season», pouco nos resta além da contemplação dos astros.

terça-feira, agosto 26, 2003

Um apagão, dez mil apagaram-se

No Comprometido Espectador, certeiro como é habitual, vale a pena ler isto.

Tortura a metro

Leio no «Público» que o «barulho das obras do Metro do Porto enfurece moradores da Baixa». Coitados: depois das obras, as melhorias serão poucas. Neste exacto momento, vejo pela janela do meu escritório, em Matosinhos, um exemplar do dito «metro». Ao fazer a curva, o infeliz chia que mete dó. De vez em quando, uma voz anuncia à comunidade envolvente a chegada do veículo x à paragem y, pela linha z e com destino a w, como se houvesse escolha. Nos intervalos, a mesma altíssima voz ordena, por razões que prefiro ignorar, «Retire o seu bilhete, se faz favor.»
E não é tudo. Em qualquer cidade convencional, o metropolitano é um sistema de transporte (quase sempre) subterrâneo, rápido e disseminado. Disto, o «metro» do Porto herdou o nome. No resto, é «de superfície», move-se mais devagar do que o dr. Soares em Nafarros («metro» poderia ser uma apropriada alusão à velocidade horária da coisa) e cobre apenas uma ínfima porção da área urbana que era suposto servir. Como esperado bónus, cometeu a proeza de agravar o tráfego da zona, já de si um sério rival do de Hong Kong.
Vantagens? Confesso. Andei uma vez, dia quente, hora de ponta. E, juro, beneficiei de uma carruagem fresca e rigorosamente vazia. Esse grau de civilidade Londres ou Nova Iorque ainda não alcançaram. Mas só esse.

O verdadeiro génio

Não tenho aparelho de vídeo há anos. Mas mão amiga começou a introduzir cá em casa a colecção completa do «Seinfeld» em DVD. É gravada a partir do VHS, a imagem tende para o rançoso e o som está um bocadinho distante do «home theater». Who cares? Deixem-me é retomar o maior cliché da história do audiovisual: nunca, nunca, nunca se fez televisão assim.

E ninguém me avisa?

Ao passar os olhos por um post de ontem, reparei ter escrito mal «rentrée», trocando um «e» de sílaba. Para cúmulo, uma rápida pesquisa em sites nacionais mostrou-me que o erro é comum. E insustentável. Que, em Portugal, se esmurre o português, ainda vá; mas levar o francês ao tapete, é gesto grave, a pedir intervenção da embaixada. Estão a ver a falta que a Livraria Francesa faz?

Free as a bird II

Em «Deliverance», de John Boorman, Burt Reynolds, Jon Voight e os amigos entram por um fim-de-semana ruralidade adentro, são alvo de violação, cometem assassínio e voltam à cidade repletos de fantasmas que se adivinham perenes. Definitivamente, a ruralidade nacional é bem mais doce. E Pavese, como eu desconfiava, não tinha razão: o único problema em regressar aos lugares onde se foi feliz é a certeza, constante, de que o regresso é provisório. E esse é um fantasma tolerável, quase o Casper. Tolerável e vital.

segunda-feira, agosto 25, 2003

Alerta urgente

Os epítetos que a generosa Charlotte me atribui são obviamente exagerados. Menos o de «génio informático», que, por muito misteriosas vias, parece ter um fundo verosímil. Ah, sim, e tenho o Tratado.

Damn workaholics

Não contando a crescente obsessão com o dr. Portas, exigida pelo patriarca, a «reentré» do PS foi igualzinha à do ano passado. Nem faltaram as comparações do Governo a Salazar, estratégia brilhante a que ninguém dá o devido valor. Nem faltou, tampouco, a profissão de fé do dr. Ferro na íntima bondade, indispensável no caso do homem ser o proverbial vendedor de carros usados. Pronto, está bem: eu comprava-lhe o tal carro. E só.
Grave, grave é que todos os políticos, mal partem de férias, fazem logo questão em «reentrar». Para ser sincero, este ano nem me apercebi de que tivessem saído. A verdade é uma: ao contrário do que diz o «povo anónimo» e o (ligeiramente mais conhecido) dr. Monteiro, o político médio nacional trabalha que se farta. Esforça-se excessivamente. Cansa-se. Cansa-nos. Permitam-me um lamento: há por aí tantos manifestos e nenhum para prolongar as férias da nossa classe política. Três meses de descanso, seis meses, um ano sabático em Cancun, eu sei lá. Bastaria conseguir as assinaturas do dr. Soares e do prof. Freitas (sem eles não há manifesto que se preze), e reunir uma delegação para entregar o documento na AR. Isto quando a AR reentrar ao serviço, claro.

Vrum, vrum

Em tempo de férias, o televisor vive confinado a um encantador desprezo. A excepção, naturalmente, chega aos domingos, em que há sempre alguém (quem?) que sintoniza o aparelho na Fórmula 1. Existem inúmeros desportos chatos, mas nunca vi nenhum tão aflitivo quanto este, sobretudo se as consequências da noite de sábado irrompem a reclamar Gurosan. Aliás, nem chego a perceber o que é que a Fórmula 1 tem a ver com desporto. Há uns carros horrendos disfarçados de maços de cigarros; há uns totós com mais distintivos no traje do que um veterano da Queima das Fitas; há um buraquinho nos carros por onde os totós entram; e há bandos de malucos que pagam para assistir ao «espectáculo». Se fossem olhar os «tróleis» das romarias saía-lhes de borla, e não tinham de suportar o ruído mais asqueroso da Terra, depois da siderurgia da Maia e da voz da Dulce Pontes.
Pior: nas minhas vastas investigações, pude constatar que há gente capaz de «torcer» por uma determinada marca de automóveis. Desse grupo, 87,3% «torcem» justamente pela Ferrari, a fábrica italiana que abastece os traficantes de droga de Bogotá a Moscovo. Não tendo nada a ver com a droga, julgo eu, existe de facto um estranhíssimo culto da Ferrari entre alguns cidadãos anónimos e honestos do meu país. Trata-se de gente que estremece só de avistar um «Testarossa» ( «cabecinha corada»?), e que se baba enquanto discorre acerca da «mística» do «cavalo preto». Será um vírus?
Por mim, estou convencido de que é apenas o último estádio do capitalismo: as pessoas deixam de se rever nas famílias, nos amigos, na comunidade em que vivem, e passam a admirar empresas longínquas, sobre cujos lucros não metem prego nem estopa. Um triste dia, às bandeiras da Ferrari juntar-se-ão as da IBM, ou da Texaco, e em alegre comunhão desfilaremos à porta da bolsa de valores, celebrando o «gestor do mês», o «contrato por objectivos do ano» ou a «fusão da década».
Mal por mal, antes continuarmos a apoiar a selecção nacional de futebol. Joga que é uma desgraça, mas ao menos, e que eu saiba, ainda é património de uma única empresa, a Olivedesportos, portuguesinha e muito nossa.

sexta-feira, agosto 22, 2003

Oftalmologia social

Uma destas noites, num pequeno restaurante de Vila Real, a aparelhagem tocava um qualquer "best of" de Amália, «Vou Dar de Beber à Dor», «Barco Negro», etc. O empregado ouviu os comentários da nossa mesa e meteu conversa, com demonstração sonora simultânea e a condizer. De Amália passou-se para Marceneiro, de Paredes para Mariza. Depressa se chegou às raízes celtas da região e discutiu-se June Tabor, e em seguida heráldica, genealogia, literatura, história local. Discutiu-se, é força de expressão: ele ensinava, nós aprendíamos. Eram duas da manhã quando partimos e deixámos o homem, pequeno assalariado do ramo da restauração, cerca de quarenta anos visivelmente candidatos a cargo nenhum. Um cego em terra de reis.

Free as a bird

Este fim-de-semana, Vimioso, vila normalmente pacata, prepara-se para assistir a um dos «comebacks» mais aguardados do século XXI. Pelo menos por mim. Trata-se do reencontro do meu grupo de amigos da infância e adolescência, no exacto lugar onde, em 1985, passámos as melhores férias das nossas vidas. Há uma baixa, é verdade (o Nuno, demasiado casado), mas que se lixe: os Beatles já perderam metade e nós ainda somos cinco, a que se somam duas aquisições. Está tudo a postos. As mulheres e namoradas foram enviadas de volta para a metrópole, insultadas de Yoko Ono para baixo. A expectativa é imensa. A não ser mediante uma piela exagerada, será difícil parar-nos. Embora, bem cá dentro, o raio do Pavese teime em fazer-se ouvir: «Nada é mais inabitável do que um lugar onde se foi feliz». Veremos.

Uma sangria iminente

Na Sic Notícias, o sr. Álvaro de Vasconcelos garantiu-nos que o atentado de Bagdad arrasou as alternativas «externas» à ocupação americana. Dez minutos depois, o mesmo cavalheiro decidiu que o atentado de Bagdad servirá para abrir a «intransigente» política dos EUA na zona a um lindo arco-íris «multilateralista». O programa em causa intitula-se «Duelos Imprevistos», e o nome até tem razão de ser: enquanto o sr. Vasconcelos esgrimia com destreza o pandemónio que lhe vai na cabeça, Loureiro dos Santos, ainda a contar os passos, mostrava-se no mínimo estupefacto com a rapidez desconexa mas demolidora do rival. Não esperei para ver o desfecho, a violência incomoda-me.

O surrealismo, somos nós

Uma reportagem sobre incêndios informa-me da existência de Odelouca, concelho de Silves, Algarve. Repito: Odelouca, como Sonetodoido, Quadratonta ou Elegiainsana. O facto até pedia um qualquer trocadilho idiota, mas só consigo pensar em Cesariny, em O’Neill, em António Maria Lisboa. Não teria sido o acaso a ditar que todos os grandes poetas do nosso séc. XX fossem surrealistas.

quinta-feira, agosto 21, 2003

Saco trocado

Mil perdões: afinal a edição do «Expresso» referida no post anterior era a de 16 de Agosto de 1997. Talvez os escassíssimos pormenores que distinguem os 1607 números do «Expresso» entre si (a data é um deles; a publicidade no saco, por exemplo, é outro) estejam na origem da desagradável troca. Fica a correcção.

As raízes do sucesso

Enquanto arrumava velharias, descobri um guia «de A a Z» da Universidade Moderna, distribuído com o «Expresso» de 23 de Agosto de 1997. O livrinho, de sessenta e três absorventes páginas, além de ilustrar a verdadeira essência da instituição, impossível de perceber nas sessões do julgamento anteontem retomado, proporciona quinze minutos de uma hilaridade só comparável à obra escrita de Woody Allen e aos diários de Saramago. Em favor do respeito devido aos autores (aliás, modestamente anónimos), as citações são textuais e os comentários limitar-se-ão à brevidade exigível.
Apesar do bonito e revelador lema que à época ostentava, «O Espírito Move a Matéria» (pois move), o conceito orientador da Moderna parecia ser o de «núcleo». De facto, esta universidade, sempre «atenta à realidade» (hum, hum), contava com uma série infindável de «núcleos», dos quais me permito referir o «núcleo» de Moda e Design, o «núcleo» de Vídeo, o «núcleo» de Rádio, o «núcleo» de Música (com cinco requisitadas «tunas»), o «núcleo» de Teatro e, destacando-se na «plêiade de actividades culturais em movimento», o célebre «núcleo» de Filatelia.
Não obstante a importância dos «núcleos», a universidade não podia desprezar o desporto, pois «Corpo São em Mente Sã» era (é?) outro dos seus lemas. Apetrechados do apoio da Reitoria, os alunos participavam «empenhada e livremente» (supunha-se ser a ordem arbitrária) em tantos jogos que só lhes devia faltar a bisca, e mesmo esta esteve por um triz. Se não acreditam, reparem: futebol, basquetebol, andebol, voleibol, vela, equitação, remo e «karting». O «karting», como seria de esperar, era a jóia da coroa, sendo até responsável pela «transferência do ano!» (assim, com exclamação e tudo). Interroga-se o leitor sobre o sujeito deste prodígio, mas sem razão. Nem a distância face aos meandros académicos desculpa que se ignore Gonçalo Gomes, um «jovem», um «modelo para a sua geração», corredor intrépido de «Fórmula Opel» e, há seis anos pelo menos, feliz discente de Direito da competitiva casa.
Os automóveis velozes fizeram história por aqueles lados, porém Gonçalo não era o único a acumular prazer e estudo. Os demais alunos, modelados na imagem do ídolo, também conseguiam, entre a participação num «núcleo» e uma prova de equitação, frequentar, imagine-se, alguns cursos. Que cursos? Aqui, e mais uma vez, o jovial exotismo da Moderna entrava em campo. Para lá do Direito e da Arquitectura, bem como de diversas engenharias (dos «Transportes» à «Automação e Controlo»), todos vorazes sorvedores de recursos, este «ambicioso» (o adjectivo não é meu) templo do saber dedicava-se ainda às Ciências do Ambiente, à Gestão do Desenvolvimento e Cooperação, à Informática de Gestão, à Organização e Gestão de Empresas («gestão» era outra ideia-chave) e à Investigação Social Aplicada (de facto tratava-se de Assistência Social, mas soava muitíssimo melhor). A culminar, seria imperdoável esquecer a revolucionária formação em Psicopedagogia Curativo (sic, incluindo o erro no género), onde pontificavam, sem ironia, disciplinas de vanguarda como a Antropologia do Homem Perturbável, a Biopsissociologia da Pedagogia e a imorredoura Antropopsicossociologias da Aprendizagem, entre outras.
Se acrescentarmos que esta universidade dispunha de professores como Camilo José Cela, Gorbatchev ou Ximenes Belo (infelizmente pouco vistos nas instalações), só restava saber como tais maravilhas chegavam ao conhecimento de um público vasto e ansioso por semelhantes luzes. Fácil, fácil, bastando para isso estar «na dianteira das inovações tecnológicas e de Marketing» e assim «colocar virtualmente nos relvados dos campos de futebol o seu logotipo, no decurso de transmissões em directo, inclusive internacionais». As canetas, as «parkas» e os porta-chaves com a sua marca, então à venda, também ajudavam a resolver o publicitário problema.
A terminar, dizia-se apenas que a universidade «assentava, juridicamente, numa cooperativa de ensino sem fins lucrativos» (isso nós já juridicamente sabemos), e que a propina mensal variava entre os 33 e os 38 contos, mesmo à justa para uma aquisição decente na Loja das Meias.

Manutenção e reparos

Como diria o críptico Narciso Miranda sobre as sondagens, os links valem o que valem. Ainda assim, só o baixo desmazelo justifica a exclusão, até agora, do Comprometido Espectador na lista ao lado (ver, por favor, a lista ao lado). Afinal, é dos blogues que leio regularmente. Dos ausentes, também leio o Pipi, claro, mas o Pipi não precisa de link nenhum. Pronto, está bem, leva com este. E é, sem trocadilhos, um pau.

quarta-feira, agosto 20, 2003

A areia de David

Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, a embaixada de Israel em Paris pediu a Serge Gainsbourg uma espécie de estímulo para a ocasião. Gainsbourg compôs, gravou e ofereceu «Le Sable et le Soldat». Talvez graças à rapidez com que se arrasaram as «temíveis forças» de Nasser, a canção não foi aproveitada e permaneceu desconhecida até 2002, quando as rádios a transmitiram pela primeira vez. Hoje, que eu saiba, continua inédita no que toca a edições oficiais (eu envio por mail aos interessados), e não é nenhuma obra-prima. Mas, em hora igualmente difícil, sempre funciona como um hino da resistência à barbárie:

Oui, je défendrai le sable d'Israël,
La terre d'Israël, les enfants d'Israël;
Quitte à mourir pour le sable d'Israël,
La terre d'Israël, les enfants d'Israël;

Je défendrai contre tout ennemi,
Le sable et la terre, qui m'étaient promis

Je défendrai le sable d'Israël,
Les villes d'Israël, le pays d'Israël;
Quitte à mourir pour le sable d'Israël,
Les villes d'Israël, le pays d'Israël;

Tous les Goliaths venus des pyramides,
Reculeront devant l'étoile de David.

O espólio dos derrotados

Puebla de Sanabria, Espanha. Simpático até mais não, o dono de uma adega informa-me que os vinhos portugueses merecem pouca ou nenhuma consideração naquelas bandas. Como usa suceder em ocasiões assim, sinto uma comichão na ossada pátria e preparo-me para atirar sobre Castela todo o ancestral engenho lusitano. Como usa suceder em ocasiões assim, páro um instante para pensar e perco a batalha por falta de comparência. No caso, encolhi os ombros, murmurei um disparate qualquer sobre variações de qualidade, estendi uma nota de vinte e saí cá para fora com meia dúzia de garrafas de Toro, o espólio possível.

Mudando de assunto

Não, não é o Serra Mãe que «anda a ficar iconoclasta»: o Umbigo é mesmo bom. Descobri-o tarde (depois do Flor de Obsessão, por exemplo), mas a horas.

Staring contest

É verdade: Jerusalém foi igualmente alvo de um atentado. Vinte mortos, mais ou menos. O trivial. Não ouvi em lado nenhum as ilações da esquerda e não quero ouvir. O ódio justifica-se por si, e as respectivas celebrações não exigem tamanho ruído. Há oito dias, eu e a minha amiga muçulmana, devota da ala xiita, víamos o «telejornal» sozinhos e em silêncio. Após a exploração dos incêndios, surgiu uma breve reportagem sobre um «mártir» que se explodiu perto de Telavive. Entre nós os dois, nem uma palavra. Eu continuei a fitar o televisor, os destroços, os feridos; ela baixou o olhar, procurou uma providencial revista e desatou a folheá-la sem nexo ou culpa. Mas aquela espécie de embaraço ninguém lho tirou. Acreditem: foi uma das vitórias mais repugnantes que já experimentei.

terça-feira, agosto 19, 2003

A pedagogia do sangue

Excepcionalmente, vejo boa parte do Jornal da Tarde, na RTP. Carlos Daniel, bom rapaz e meu ex-colega de faculdade, introduz as notícias: bola, fogos, rescaldos e as «curiosidades» que esticam os noticiários para durações insuportáveis. Serviço público, enfim, coroado pelo «Regiões» que eu também decido contemplar em rotineiro acto de contrição. Três horas depois, ligo por ligar a TSF e devo ser o último ocidental a saber do atentado de Bagdad, poucos minutos antes de se confirmar a morte de Sérgio Vieira de Mello. Em seguida, irrompem os «comentários», de Mário Soares, Francisco Louçã, madame Gomes, um porta-voz anónimo do PCP e José Goulão, outro porta-voz, menos anónimo, do PCP. Mesmo condenando, muito a contragosto, o crime, este curioso grupo de reflexão prefere acusar americanos e britânicos, os «invasores», pela morte do representante da ONU no Iraque. Dizem isto e anunciam, felicíssimos, a chegada do caos. Eu escuto e repito para comigo: o terrorismo não mata, o terrorismo reage. Consequência forçada de um mal maior, o terrorismo é, afinal, compreensível, até tolerável e, que se lixe, bom. Eu repito e aprendo. Não fora a nossa esquerda e uma pessoa passava a vida imersa na ignorância mais atroz.

A civilização

As férias, aqui em Trás-os-Montes, decidiram prolongar-se por mais uns dias. Nada a obstar. Ao alcance da mão, tenho: a imaculada paisagem da região, jornais, uma parcela satisfatória da minha humilde bibblioteca, ignorados ribeiros de água fresca, restaurantes sublimes. E música. Hoje, por exemplo, enquanto tomava um café matinal, a minha mulher lembrou-se do melhor disco do mundo: um qualquer «best of» de Kurt Weill, na voz da esposa Lotte Lenya. Embora a tese seja discutível, diversas razões impediram talvez Weill de aceder com inteira propriedade ao restrito clube dos clássicos, a que pertencem Porter, Gershwin, Berlin, Arlen e até Rodgers. Gosto de todos, com nuances, tanto quanto é humanamente viável gostar. Mas Weill, sobretudo no algo menosprezado período americano, tem para mim um brilhozinho especial. «September Song», já se sabe, é standard absoluto. E «Lost in the Stars» anda lá perto. Mas «It Never Was You», desde que na voz da senhora LL, é a mais bela canção popular que existe. Foi tocada hoje, em Vimioso, nos confins da nacionalidade. E quase juro que o milhafre que planava ali fora se aproximou para ouvir melhor.

segunda-feira, agosto 18, 2003

Prefiro a tal volta ao mundo

Não bastava a história do Acontece. O actual Governo faz o possível e o impossível para desacreditar a cultura nacional. Uma coisa, muito ao jeito do PS, é financiar curtas-metragens de promessas do cinema português; outra coisa é transmiti-las. Verdade que as passam na RTP2, madrugada de domingo, pino do Verão. Mas a dúzia e meia de espectadores que depara com o espectáculo fica para sempre convertida à visão «economicista» da cultura, que tanto aflige o dr. Carrilho. Explico melhor: há um programa, que não conhecia, chamado Noites Curtas do Onda-Curta, um nome que já em si define uma atitude. Na emissão de ontem, o programa constou de três filmes. Um leigo sabe que são filmes porque, comprovadamente, houve uma câmara que registou a fala (rara) e o movimento (escasso) de uns sujeitos. E só. No resto, não se vislumbra a mais vaga semelhança entre esta espécie de produtos e a forma artística que nos legou «Young Mr. Lincoln». Claro que, aos primeiros instantes, eu e quem estava comigo ainda tomámos aquilo à laia de comédia não deliberada, um género assaz subvalorizado. Quando irrompeu o terceiro esboço de «filme», parece que baseado no famoso escritor Mia Couto, já estávamos dispostos a espancar severamente os autores da monstruosidade. E a processar judicialmente a rapaziada que, a expensas nossas, decidiu pagá-la. Mas são fulgores momentâneos. Depois uma pessoa bebe outro copo de vinho, chega-se à noite morna pelo alpendre, olha as insondáveis constelações, e deixa correr. Ser português também exige este desprendimento quase filosófico. Ou então a piada perdia-se.

A Casa Pia é lá longe

Mesmo o acompanhamento das notícias tem sido reduzido. Leio a imprensa na diagonal e desde quarta não vejo telejornais. Embora presuma que os incêndios continuam algures, aqui no Nordeste não vi a sombra de um. Sei apenas que Nova Iorque se apagou, felizmente durante umas horas. Que o Idi Amin, idem, felizmente para a eternidade. Sei que o funeral de um antigo militar suscitou hoje, no Público, um artigo divertido do alegado Major Tomé. E sei que o campeonato da bola começou entre moscas e embaraços (ainda que isto, estou em crer, não seja bem uma novidade).

Blogues à sobremesa

Eu devia saber. Em tempo de férias, a actualização de um blogue depende menos de factores informáticos do que da vontade ou lembrança. Entre umas braçadas no rio, a conversa com os amigos e épicas jantaradas, sobra pouco para ler, quanto mais para escrever. Acima dos constrangimentos desta rotina, não é provável que os blogues se insurjam. Mas é possível: anteontem, findo um repasto normalmente perfeito no Solar Bragançano, em cujo pátio interior se está no céu, dei com um romance do Francisco José Viegas pousado numa das salas, livro com dedicatória e agradecimento ao proprietário pela refeição. Do FJV ao Aviz foi um saltinho mental, tal como do Aviz para o Homem a Dias e este vício recente, do qual talvez começasse a esquecer-me. Recaída inevitável. Que querem? Tive saudades.

quinta-feira, agosto 14, 2003

E a lista de livros?

Daqui a umas horas, parto para férias. Coisa breve, quatro ou cinco dias. Coisa discreta, também: Vimioso, distrito de Bragança, Trás-os-Montes. Já me esquecia: fica em Portugal. Se algum blogueiro amigo passar por lá, pergunte e considere-se convidado para um café no «Girassol», junto à igreja matriz, numa das praças bonitas que ainda restam por aí. Ou um jantar no «Lareira», em Mogadouro. Dormida não ofereço que os quartos estão cheios com outros amigos. Serve o intróito para avisar que o Homem a Dias não manterá a regularidade habitual durante este período. Se manterá alguma espécie de regularidade, é caso a ver. O portátil está avariado. Os correios locais (com acesso à net, anda-me!) fecham até segunda. Sobra-me o Nokia Communicator (uma mariquice adorável), que já testei no blogue com resultados positivos, excepto para a minha paciência. Mas, parafraseando o falecido Jardel, o Alberto Gonçalves está confiante, o Alberto Gonçalves acha que tudo correrá pelo melhor. O Alberto Gonçalves despede-se: até já.

And sometimes it doesn't

Nem sou particular fã da banda, mas há vários dias que quase só ouço «Sometimes it Hurts», do último álbum dos Tindersticks (com a voz de uma tal Ihasa De Sela). Não tem nada de especial? À superfície, realmente não tem. Mas, dizia o outro, é pelas brechas que entra a luz. E na música popular, embora com frequência rara e decrescente, às vezes há uma brecha que se abre.

As regras do trânsito

A propósito do post anterior, é curiosa a gentileza com que a maioria dos média acolheu os blogues. Mesmo com ocasionais imprecisões, erros factuais, abordagens apressadas, os jornais e, em menor escala, as televisões têm sido atentos e simpáticos para com a blogosfera, dedicando-lhe uma atenção que ninguém, há três ou quatro meses, poderia adivinhar. Sobretudo, já se sabe, a partir do surgimento do Abrupto, do conturbado fim da Coluna Infame e do Destaque do «Público». Claro que também não faltam, aqui e ali, os artigos encarniçados, repletos de pavor concorrencial. Porém, conhecendo-se o que a «casa» gasta, esperava-se que estes fossem a regra. Não são, o que até a um patriota descrente parece um bom sinal. Mas o patriota descrente não se esquece de perguntar: sinal de quê?

O «Público» acertou

E em cheio, ao referir-se digna e elogiosamente ao Homem a Dias na já incontornável Gazeta dos Blogues. Três sentidos vivas! à Maria José Oliveira.

Bombardeado e feliz

Julgo que o Bomba Inteligente foi o primeiro blogue a referir-se ao Homem a Dias. Por isso custa-me desiludir a Charlotte. Mas, agorinha mesmo, após uma investigação apurada dos respectivos arquivos, resolvi achar que o BI é talvez o melhor blogue que eu conheço.

quarta-feira, agosto 13, 2003

A fome dos outros

A propósito de um artigo na Spectator, Manuel Falcão lembra o turismo de massas em países miseráveis, cada vez mais em voga. Partilho a estranheza, embora desde há uns anos com um critério de ressalva: caso queira, vou a qualquer país, pobre ou não, em que vigore uma democracia, real ou assemelhada. Isto é, a menos que me sequestrem, nunca porei os pés na República Dominicana ou na Cuba totalitária; mas fui ao México há menos de um ano e, salvo os excessos climáticos, não me arrependi. De resto, acho que para o turista médio a questão da miséria nem sequer se coloca, como atractivo ou factor de repulsa: contaram-me de um sujeito, bancário, que passou uma semana num «resort» das Caraíbas, e que, na volta, não conseguiu nomear o país em que estivera. Havendo sol e paisagem que encha uma câmara de vídeo, o turista médio fica satisfeito. Ele lá sabe. Quanto ao Brasil, julgo que M.F. se refere ao «paradisíaco Nordeste» dos folhetos, que é um continente de caciques e fome, bordado a leste por uma linha de areia. Se é isso, concordo inteiramente (dos sertões, interesso-me pela Revolta de Canudos e pouco mais, mas os livros bastam-me), e, na minha vida profissional, devo ter recusado umas quatro ou cinco viagens pagas a tal exotismo. Mas do Rio de Janeiro e, até certo ponto, de São Paulo, eu gosto muito. Concedo que entre a lei dos «Coronéis» e a lei dos gangues favelados talvez sobre idêntico espaço para a democracia. Que se lixe: baças e trémulas, em Ipanema ainda piscam as luzinhas da civilização.

Enologia

Ontem, participei num jantar de aniversário. Não vale a pena entrar em pormenores, mas sempre vos digo que o dito se realizou em Leça da Palmeira e que entre os convivas estava um colunista que faria melhor se trabalhasse no site pessoal que nunca mais abre. Acrescento também que o repasto foi marcado por certo entusiasmo descontrolado: Borba puxou Cardeal Reserva, Cardeal puxou Esporão Não Sei Quantos, Esporão puxou Ferreirinha e, a páginas tantas, juro que vi um Barca Velha flutuar sobre a mesa. Nem refiro os conhaques da digestão, mas quando chegou a conta, entrámos em pânico, evidente nos sintomas da praxe: suores frios, decréscimo de salivação, contemplação nostálgica do Visa, etc. Um de nós, controlando a custo a ansiedade, ainda gritou: «Há algum construtor civil na sala? Nenhum? Um empreiteiro sub-contratado? Um sobrinho taxista na Suíça? O José Quitério? Ao menos um jogador da bola sem salários em atraso?» Não havia ninguém, pelo que terminámos a noite internados de urgência, com um diagnóstico de défice agravado e, para alguns, possivelmente crónico.

terça-feira, agosto 12, 2003

Choque e espanto

Ao inicio da tarde, os simpáticos cavalheiros da Microsoft portuguesa ajudaram-me, por via telefónica, a resolver o problema do vírus. Infelizmente, quando regressava de uma carpintaria aqui perto, onde deixei a emoldurar um retrato do Bill Gates, descobri que o «template» do Homem a Dias desaparecera, junto com o próprio Homem a Dias. Após árduo esforço, acho que consegui recompor as peças (embora possa faltar algum dos links anteriores, agradeço avisos) e tenho equacionado múltiplas explicações, entre as quais um ataque cirúrgico a este humilde blogue ou idiotia do proprietário. Mas, pelo sim, pelo não, acho que vou ao carpinteiro cancelar a encomenda.

Os traquinas

Ainda agora aqui cheguei, e já recebo mensagens de blogues bons e fresquinhos, acabados de nascer. São eles, os pequenitos, que nos põem velhos. Casos do Para Mim Tanto Faz, da Matriz Escondida (bem, este até é mais crescido) e do Democrata, do meu amigo Jorge Queirós, que, se evitar perder-se no bulício dos dias, tem muito para dar à blogosfera ou lá como é que isto se chama.

Não sou o João Lopes, mas

A propósito do «rodeo» que, felizmente, vai por essa blogosfera afora, sugiro três filmes dedicados à «country». «Your Cheatin' Heart» (1964), deliciosa insignificância de série «b» sobre a vida de Hank Williams, pai (George Hamilton faz o protagonista, mas aguenta-se); «Coal Miner’s Daughter» (1980), biografia de Loretta Lynn (óscar para Sissy Spacek), com tangente a Patsy Cline; e «Honkytonk Man» (1982), de Clint Eastwood. Os dois primeiros são, obviamente, «biopics» e, não por causa disso, precisam de um gosto excessivo ou um nadinha perverso para se deixarem desfrutar devidamente. O terceiro não custa nada: é um dos melhores filmes de C.E. (para mim, está apenas depois de «A Perfect World»), logo um dos melhores filmes que os nossos olhos podem ter a sorte de contemplar. Porém, que eu me lembre, os grandes momentos da «country» propriamente dita no cinema encontram-se em filmes algo distantes do tema: o dueto de Jonnhy Cash com Bob Dylan no «Eat the Document» (1972), o documentário «proibido» deste último; e outro dueto, entre Ricky Nelson e Dean Martin (não, não são os progenitores do Ricky Martin), em «Rio Bravo» (1959). De certeza que me escapa alguma coisa, mas não importa, todos juntos, agora: Purple light in the canyon/ that is where I long to be/ With my three good companions/ just my rifle, pony and me

Luto, mas não prolongado

José Sócrates anunciou o fim da sua inestimável colaboração com a RTP. A juntar à extinção do Acontece e à transferência do dr. Santana, é o serviço público que assim definha, é o país que morre aos poucos.

O bichinho do imperialismo

Um vírus criado por um sujeito qualquer no Ontário ou na Tailândia atacou-me ontem o miraculoso Windows XP, deixando-o em estado catatónico até sabe a Microsoft quando. Ou a situação se resolve a bem, ou contem com a minha enfurecida presença na próxima arruaça contra a globalização. Para já, limito-me a apresentar, aos eventuais interessados, as minhas desculpas pelo atraso no correio.

segunda-feira, agosto 11, 2003

Como disse?, parte II

Claro que não comecei por ler no original o «artigo» do sr. Luís Delgado. Mas os Marretas, mais valentes, chamaram-me a atenção. O sr. Delgado, com o talento contabilístico que o caracteriza, avisa os comentadores «oficiais» e pagos: é que se passam a usar os blogs, deixam de ter interesse e valor. A que título é que os jornais, televisões ou rádios investem em líderes de opinião que opinam gratuitamente? Eu, que com certeza não sou um comentador «oficial», mas ao menos o CM paga-me, julgo possuir suficiente legitimidade para reformular a questão: a que título é que os jornais, televisões ou rádios investem no sr. Delgado? Do que conheço, há alguns blogues muito maus, e haverá ainda piores, mas nada, sob qualquer perspectiva, se compara à colunazita do sr. Delgado no DN. Literalmente, nada. Até porque está para nascer um blogue de louvor contumaz aos poderes políticos e económicos da nossa praça. (Embora www.vaidarcartasem2003.blogspot.com fosse bem engendrado.)

Como disse?

Leio na «Pública» a entrevista a Carlos Pinto Coelho, que cada vez se leva mais a sério. Não será coincidência que num país com 48% de analfabetos funcionais (reclamações à ONU, s.f.f.), o fim de um mero magazine cultural suscite tanto ruído. Excepções à parte, que as há em tudo, a «cultura» que o «Acontece» encontrou e fomentou é a cultura dos pasmados, donos de uma visão acrítica e reverente. Para a maioria da «imensa minoria» que CPC se orgulha de representar, livros, peças e pinturas, sejam quais forem, são por definição alvo de elaborada vénia. O que é normal. Sem acesso ao conhecimento mínimo capaz de permitir comparações de facto, não espanta que o espectador médio do «Acontece» engula Manuel Alegre, ou a última instalação daquele jovem artista de Campolide. Quem não engole é gente de outro campeonato, como se diz em dialecto da bola. Eu, pobre de mim, sei poucochinho. Mas, ocasional e felizmente, privo com pessoas que percebem alguma coisa sobre alguma coisa, e que nunca, salvo por acidente, passaram os olhos pelo «Acontece». O Desejo Casar já referira experiência semelhante. Acrescento apenas que eu, lá está, até via quando calhava, e sinceramente gostava daquele senhor idoso que se encrespava todo ante os deslizes gramaticais. Dele, terei saudades.

domingo, agosto 10, 2003

Humility bites

Gosto de estações de serviço, as «bombas de gasolina». Daquelas grandes, com café e jornais, abertas toda a noite. Tenho uma assim ao pé de casa, que abriu há uns três anos e mudou a minha existência. Vou lá quase diariamente, sobretudo de madrugada, quando faltam os cigarros, espreitar fogachos de humanidade no meio da cidade adormecida. É o casal eufórico em busca de preservativos. O louco, com bicicleta e farnel, que montou arraiais junto à lavagem automática e dali não sai há semanas. Os trabalhadores nocturnos, cuja pausa para o lanche ocorre às duas da manhã. Os clientes indistintos, como eu espero ser. Odeio metáforas, mas em quase todas as estações que conheço, repete-se este microcosmos instável, que apropriadamente se alimenta de sucessivas renovações, ganhos e perdas. Desde que me lembro, intercalo os longos percursos de automóvel com paragens sacramentais, de hora a hora, de acordo com as «bombas» disponíveis. Os meus companheiros de viagem, quando os há, toleram-me o vício, embora não pareçam partilhá-lo. Aos poucos, nas estradas que frequento mais, elejo favoritas. Na A1, prefiro sempre Aveiras e Mealhada. Mas a minha preferida, que eu pensava obscura e exclusiva, fica no IP4, perto da saída para Mirandela. Vindo de sudoeste, a subir as montanhas escuras, vejo-lhe antecipadamente as luzes e salivo de gozo. Gozo fugaz: em circunstâncias normais, nunca me lembro dessa estação. Só que ontem houve lá um carro que irrompeu em chamas. E, enquanto ouvia a notícia na Tsf, sobressaltei-me: de repente, percebi que a rotina daquela «bomba» prosseguia sem mim. Estas coisas não se explicam, mas, durante uns instantes, experimentei uma traição imensa. E depois a certeza de sermos inteiramente dispensáveis ao Mundo.

sábado, agosto 09, 2003

«Share» solidário

Quando não me resta opção, espreito as reportagens televisivas dos incêndios. Em todos os canais nacionais, os critérios de aprovação das «peças» são: montante de fogos exibidos; grau de proximidade às chamas; quantidade de populares interpelados em aflição; percentagem de planos aos solavancos; números de bombeiros interrompidos pela acção dos «jornalistas». Ganha quem mostrar mais, mais perto, mais «tremido», durante mais tempo. Dado o empenho geral, palpita-me que a contenda vai acabar empatada. Pelo sim, pelo não, as estações já arrancaram com uma competição paralela: cada uma promove uma campanha para ajudar as vítimas dos incêndios, com abertura de contas, organização de pândegas, etc. De dez em dez minutos, transmite anúncios alusivos, a relembrar-nos a sua intrínseca bondade. Disseram-me também que, nos rodapés dos noticiários, estas gentis empresas vão contabilizando o apuro entretanto obtido, numa correria humanitária para que as desgraças de uns sejam as audiências de outros. Alguém chamou «vergonhosos» aos fogos correntes. Peço licença: independentemente das causas, o fogo é uma catástrofe. Vergonha é isto.

Protocolo de Estado

O sr. José Bragança de Miranda já encerrou a ligeira e falsa polémica sobre a «ética» dos blogues, que tem animado a minha caixa de correio. Óptimo. Pela minha parte, nunca pretendi provocá-la. A alusão à «ética», pesada palavra, foi uma brincadeira: embora eu não o faça, acho totalmente irrelevante que se apaguem ou alterem posts. Aliás, julgo que a eventual assimilação de um rígido «código de conduta» para os blogues, representaria a prazo o respectivo fim. No máximo, aceito que a necessidade de comunicação, neste como em outro meio, implica talvez a aceitação de um pequeno conjunto de regras tácitas. Mas não me incomoda nada que tais regras sejam frequente e vastamente violadas. Aqui, a única regra sagrada é a liberdade. Ao fim e ao cabo, foi essa que nos converteu a isto. Ou não?

A «França», e a França

Não julgo que o recente post do Abrupto seja um reparo a um dos meus. De qualquer modo, também faço notar que «a última coisa que quero dizer é que tudo que é francês é mau e o resto bom.» Falo da cultura, em sentido lato: não houve decerto escritor que me marcasse mais do que Camus (sim, incluindo os Carnets, que JPP elegeu como pioneiros dos blogues). E guardo, na música popular e no cinema franceses, inúmeras «referências» ou, se a palavra não estiver viciada, heróis.
Sucede que nenhum foi estalinista. Não que eu tenha preconceitos a respeito: os estalinistas, empenhados de outrora, dissimulados de hoje, é que sempre os tiveram. Quando a arte e o pensamento se resumem à normativa partidária, torna-se difícil pronunciá-los sem aspas.

sexta-feira, agosto 08, 2003

Pequeno ensaio sobre a cegueira

Algures na crónica do CM de hoje, escrevi «melhor» onde o correcto seria «mais bem». Três mails chamaram-me a atenção para o erro, o que logo agradeci. É nestes momentos que uma pessoa constata ter leitores atentos. E é nestes momentos que uma pessoa sonha com o leitor ideal, provido de uma conjuntivite ideal.

O link perdido

Há quatro dias, o sr. José Bragança de Miranda enviou-me um mail de boas-vindas. Há duas horas, o sr. JBM enviou-me outro mail. Desta vez para me informar que retirou o link do Homem a Dias do seu blogue, por causa do meu post sobre a França. Já confirmei o facto, bem como o desaparecimento de um post simpático que o sr. JBM me dedicara ontem, salvo o erro. Está no seu pleno direito, mas, sinceramente, julgava que a espécie de ética dos blogues desaconselhava alterações ou remoções do que ficou escrito. Pelos vistos, enganei-me. E depois? Quanto ao Homem a Dias, continuará a ostentar o link do Reflexos. Naturalmente. Até porque nada disto tem qualquer importância.

O terrorismo é sexy?

«Hijackers, Not Passengers, Deliberately Crashed Flight 93. One of the hijackers in the cockpit of United Airlines Flight 93, ordered the terrorist-pilot Ziad Jarrah to crash the plane into a field in Pennsylvania because of a passenger uprising in the cabin, U.S. investigators now believe.»
Por que será que uma notícia assim leva certa esquerda à ejaculação? Talvez porque certa esquerda não tenha dúvidas sobre o género que a excita. E há a esquerda que não assume.

França contemporânea: a straight story.

As reacções dos do costume ao encerramento da tal Livraria Francesa suscitaram diversos comentários nos blogues (Abrupto, Contra a Corrente, Intermitente, Reflexos). Subscrevo sem problemas a maioria das opiniões, que sustentam a justa superioridade actual da cultura anglo-saxónica. De tão evidente, dispensa comentários. Mas concedam-me uma lágrima de solidariedade: é que continuo a comover-me com as pessoas que se agarram, desesperadas, às ruínas que a França legou. E principalmente com aquelas que percebem a vacuidade das suas certezas e, ainda assim, não desistem, sob pena de negarem a própria existência. Toda a gente sabe que «a ideia da França», da França enquanto pólo cultural, terminou de vez com Estaline, que converteu uma «intelectualidade» parisiense pronta a combater, com a demagogia em punho, o ameaçador Império que se levantava do outro lado do Atlântico. De súbito, o centro cultural que permitira Hugo e Monet passou a produzir reles emissários do Partido. Sartre, hoje uma anedota de salão, personificou talvez na perfeição este «intelectual» empenhado, mas as cópias eram inúmeras, e todas mecânicas, e todas orientadas para o sol de Moscovo. Não é por acaso que, dentro da literatura francesa coeva à exposição oficial dos Gulag, só os anti-marxistas, como Camus, Céline e Vian, ou os marxistas desencantados a horas, como Malraux e Gide, tenham sobrevivido à euforia do tempo e mereçam o reconhecimento civilizado de que, aliás, dispõem. Já o grosso da «inteligência» francesa, órfã do Grande Camarada após a tardia «revelação» da noite estalinista, optou por dissolver certa vergonha (a que nem eram muito dados, diga-se) em obras estéreis, indulgentes e masturbatórias. Sobretudo, apostaram com firmeza numa mistura repugnante de ininteligibilidade, «ciências» sociais e (saudades de Rousseau) relativismo. A incompreensão mascarava a ausência de talento; as «ciências» simulavam credibilidade; o relativismo afagava os selvagens que engoliam a fraude. Dessa pocilga saíram os Althusser, as Duras, os Foucault, os Lacan. E Portugal, como bom Terceiro Mundo, destacou-se no fornecimento de selvagens a alfabetizar (?) nesse caldo absurdo. Em 2003, eles aí andam, ruminando na prosa poética da seita o fecho de uma livraria que a ninguém importa. O mundo passou, eles ficaram, a debater-se no entulho. É por isso que me comovem.

quinta-feira, agosto 07, 2003

Humm, Channel?

O Miguel Noronha já pegou no assunto pelo lado certo. Mas vale a pena insistir, e a história conta-se depressa. Em duas edições consecutivas do «Público», há duas crónicas dedicadas ao encerramento de uma livraria em Lisboa. Como a livraria se chama Francesa, uma das crónicas é forçosamente de EPC (a outra é de um senhor Rego, que eu não conheço). Em ambos os textos, há o mesmo tom acusatório, apontando o dedo ao Estado francês por permitir semelhante catástrofe. Pelo meio, há ligeiras variações: o sr. Rego, mais pessimista, coitado, resigna-se ao «afunilamento cultural americano que, mais do que globalizante (sic), é estiolante (sic) e redutor». EPC ainda dá sinais de esperança, e deseja «mobilizar esforços para que (a livraria) volte a ser possível». Claro que, como lembra o Intermitente, resta a compra via internet, que afinal facilita a escolha e o conforto, além de que pouparia a EPC uma sempre cansativa mobilização. A chatice é que, por um lado, a Amazon.fr é de origem americana, logo «globalizante», «estiolante» e «redutora». E depois EPC, segundo confessa, tem uma relação erótica com os livros, o que o leva a cheirá-los previamente. Nessas coisas não me meto. Mas quanto ao sr. Rego, nem net nem Francesa: sendo evidente que não sabe escrever português, é duvidoso que consiga ler Bourdieu no original. A menos que também queira cheirar os livros e, em seguida, «rien».

Saudades de Udai Hussein

Não sou do Sporting e interesso-me pouco por futebol. Mas sou humano, e por isso pergunto que crime terão cometido aqueles desgraçados que ontem foram a Alvalade. Verdade que o jogo correu bem, mas nada, nada, nada neste mundo justifica cinco minutos de Dulce Pontes.

Onde os Amanhãs cantam

Lula da Silva é mesmo um caso à parte. Na terça-feira, em Brasília, a aprovação da reforma da Previdência valeu ao herói operário nova vaga de manifestações em seu louvor: 40 mil trabalhadores, em transe evidente, agradeceram aos céus a graça de ter um presidente assim. Alguns dos miraculados, decerto cumprindo promessas, fizeram até questão de levar pedaços do Congresso para casa, à laia de «souvenir». O pagamento dos ligeiros estragos daí resultantes, anunciou fonte da presidência, será deduzido, nas calmas, do infinito Capital de Esperança que em boa hora se apoderou dos brasileiros. À tardinha, peregrinos e forças policiais conviveram em harmonia, puxando assunto e discutindo futebol. Enfim, o Paraíso. Quem viu em Lula a salvação não se enganou.

Super Mário Bothers

Hoje, enquanto contemplava, aterrado, os novos cartazes da JSD, confirmei uma repugnância imensa pela ideia de «juventude». Mas, ao mesmo tempo, reparo: também não sei o que é a propagada sabedoria da idade. Vejam o exemplo do dr. Soares, Mário. A criatura gastou a primeira metade da sua vida a combater a ditadura de Salazar, e ocupou o início da segunda metade a livrar-nos da ditadura comunista. Graças a ele, e a uns poucos mais, devemos a democracia que temos, fraquinha mas muito nossa.
Por estas e por outras, custa vê-lo entrar na velhice. Em nome de feitos idos, uma pessoa ainda aturou a tonta candidatura à presidência do PE, a amizade com Arafat e criminosos afins, os insultos infantis a Bush. Mas quando o dr. Soares baba ódio público sobre o ministro que lhe desocupou a esposa, o nível desce à sub-cave da tasca.
O homem tem filhos, santo Deus: gente presumivelmente lúcida que devia aconselhar o patriarca a um retiro providencial. Apesar da má fama, há por aí excelentes lares de idosos, com pessoal competente, prestimoso. Não são baratos, mas a Fundação cobre. E dava jeito que as memórias que guardamos do dr. Soares, democrata incólume, não fossem bombardeadas, dia após dia, pelo próprio.

quarta-feira, agosto 06, 2003

Dúvida

Dizia o Paulo Francis dos tempos do Pasquim e de Ipanema: «Intelectual não vai à praia: intelectual bebe.» E o que fazem os bloggers neste abafado Verão? Submetem-se ao Algarve e à Caparica? Apanham pifos em frente ao monitor? (Fingirem que não são intelectuais, só por causa do EPC, não vale).

Costumes & tradições

Não sendo lisboeta nem explorador do proletariado, não possuo monte alentejano. Antes tenho uma casa nos arredores (?) de Vimioso, confins do Nordeste. A casa situa-se quase no topo de um outeiro, pelo que sem esforço se avistam as dezenas de suaves montanhas que separam Vimioso de Vinhais, por exemplo, ou da Lagoa de Sanabria, via Bragança. O lugar é lindo e o proverbial silêncio apenas se interrompe uma ou duas vezes por ano, quando a fábrica de foguetes defronte ao meu alpendre resolve explodir. A distância, talvez um quilómetro, é segura, mas nunca evita a sensação de que um Tir desgovernado nos entra pela sala adentro. Ainda há meses, este avançado centro de pirotecnia abriu todos os noticiários, mediante cinco vítimas mortais, que se somam a um considerável rol. Suponho que a Câmara local leva tais eventos à conta de propaganda turística: as vítimas serão assim os mártires da causa e os incêndios resultantes, até ver ligeiros, um mal menor. O certo é que ninguém encerra a fábrica, que após cada imolação renasce literalmente pronta para outra. Corrijam-me se estiver enganado, mas Vimioso não deve ser uma excepção à regra nacional.

Super Dragões

Não fora o momento que se vive e lançaria três foguetes de saudação ao Mata Mouros, pelos elogios excessivos com que prenda este humilde blogue.

Turn on, tunning, drop out

Em pleno gozo do pasmo que antecede as férias, varri a madrugada no sofá, contemplando um programa alemão sobre automóveis. Para mim, foi uma experiência inédita (e, definitivamente, única). Mas suponho que os assíduos desta espécie de produto acabam por pagar o preço: recentemente, um estudo conjunto de 5 universidades australianas revelou que o confronto entre os «bólides de sonho» e os destroços da realidade pode provocar mazelas graves. Os mais atentos dispensavam o aval científico. Com certeza já notaram uma espécie de carros que causam forte impressão. São aquelas coisas pequeninas com uma grade no meio e um moço, de óculos acima da testa, à frente. Como sabem, circulam sempre com as janelas semi-abertas e uma aparelhagem capaz de implodir um edifício de betão. Curiosamente, não ouvem música, mas uma audaciosa mistura de batuques do Burundi com o ruído de leitura das cassetes do ZX Spectrum, ambos em fast-reward.
Durante muito tempo, eu não percebia, entre outros pormenores, a função da grade. Agora, um amigo, que estuda comportamentos desviantes (à escala nacional), explicou-me: serve para que os condutores não tentem fugir. Não convém revelar estes dados ao público, mas as portas desses carrinhos estão permanentemente fechadas, os vidros só descem a metade por razões de segurança e, além disso, oculto na parte de trás, está um representante do corpo clínico que acompanha estes infelizes, pronto para lhes aviar uma seringa de Valium no pescoço, caso os pobres se desorientem em demasia - por exemplo ante a passagem de um Porsche. Uma situação extrema, felizmente pouco usual. A maioria das vezes, duas ou três réplicas da Matchbox são suficientes para acalmar a rapaziada.
Quanto ao barulho que os carrinhos difundem a dezoito quarteirões de distância, o meu amigo não quis adiantar grandes pormenores. Mas parece que o «tunning», como acho que popularmente se designa a fogosa sanfona, é sigla para «The Useless, Numb, Not Interesting, Noisy Guy». E consta que faz parte da terapia, embora a Organização Mundial de Saúde o tenha desaconselhado pela sua extrema crueldade.
Os óculos acima da testa é que nem o meu amigo arriscou explicar.

terça-feira, agosto 05, 2003

Foi mais o susto

Ou é de mim, ou a blogosfera foi-se abaixo por uma hora. Cheguei a suspeitar de atentado ao sector. Mas fontes de última hora, com acesso privilegiado ao ministério do Ambiente, asseguram-me tratar-se de acidente: uma granada esquecida por um combatente do Ultramar, que infelizmente afectou o server ou o browser ou lá o que é que cuida disto.

Aviso

Para lembrar que Homem a Dias é um blog duramente mantido por Alberto Gonçalves, sem auxiliares de limpeza (é, parece que o EPC desistiu mesmo).
E já agora: durante quanto tempo é necessário publicar estes avisos chatos mas inúteis? Existe algum protocolo bloguista que regulamente isto?

Fita amarela, Rosa vermelho

Pacheco Pereira cita uma espécie de epitáfio que João Pulido Valente terá deixado. O pequeno texto é, de facto, notável e, no seu género, pouco frequente entre nós. Tem, ainda, uma curiosidade adicional (que não sei se JPP saberá): a frase «Quando eu morrer não quero choro nem velas, quero uma fita amarela, gravada com o nome dela: Liberdade» foi retirada de um velhíssimo samba de Noel Rosa, discutivelmente o maior compositor brasileiro. Justamente «Fita Amarela», de 1933, composta 4 anos antes da morte prematura do autor, aos 25. Só que, na canção, «velas» está no singular, para efeitos de rima, e a «Liberdade» não existe. A musa de Noel era outra, decerto mais palpável.

Porto, capital da cultura

Noite morna. Estou com amigos a tomar café. Um cliente bêbado, murmurando insanidades, passeia-se pelas mesas, ante vasta indiferença. De súbito, o dono do estabelecimento dispara na direcção da rua com o bêbado nos braços. Eu e os meus amigos acorremos à cena, junto com os populares da praxe, a tempo de ver o dono do café empunhar uma vassoura e o outro continuar o discurso incompreensível.
Palavra puxa adereço e, no segundo acto, vá lá saber-se a razão, é o cliente inadaptado que segura a vassoura: o pequeno proprietário ergue agora uma cadeira. Decerto um interlúdio, porque no instante seguinte cadeira e vassoura são misteriosamente removidas para dar relevo a um x-acto, a cargo do bêbado.
Bêbado ou arquitecto. A peça começava a deixar-se perceber: a fala emaranhada podia ser, afinal, uma língua estrangeira, por exemplo o holandês. E, pela óbvia instabilidade emocional, era bem capaz tratar-se do sujeito que concebeu a Casa da Música.
O enredo já prendia, mas como quem puxa de um x-acto, puxa de um tira-linhas, achei melhor recuar uns metros. Até para facilitar a chegada triunfal de dois carros da PSP, que em meros vinte minutos irromperam feito relâmpagos.
Depois, lamento confessar, achei o final mal resolvido. O arquitecto holandês foi mandado em paz, enquanto ameaçava de morte tudo o que respirasse em redor; o dono do café tremia e suava, num esforço dramático algo forçado; e os polícias, os polícias cirandavam entre populares, interrogando-se acerca da própria condição (Pirandello em excesso).
Porém, e no cômputo geral, como sói dizer-se, o espectáculo valeu a pena. A ver.

segunda-feira, agosto 04, 2003

Mártires à solta

Yasser Arafat acha que a libertação de 440 dos cerca de seis mil prisioneiros palestinianos detidos nas prisões de Israel é uma fraude. Pior do que fraude: é uma rotunda estupidez. Algum dia eu haveria de concordar com o homem da rodilha.

Saludos amigos

Prossigo a lista de felicitações pela hospitalidade dedicada ao Homem a Dias. Desta vez, os agraciados são a Causa Liberal e o Janela Para o Rio. Mas permitam-me um destaque muito especial ao Alfacinha, que me acusa de ser «bem relacionado». Destaparam-me a careca, confesso. Mas como é que o Alfacinha, supostamente a trezentos quilómetros de distância, conheceu a minha mulher?

Aviso

Homem a Dias é um blogue idealizado por Eduardo Prado Coelho e mantido por Alberto Gonçalves, a partir do momento em que EPC (e não Eapple) proibiu a si mesmo a prática de tão medonha actividade.

Um Holocausto particular

«Lenny», de Bob Fosse, saiu em dvd. Não o via há quinze anos, este falso documentário filmado à Cassavetes. Mas «Lenny», mais do que Fosse, é Dustin Hoffman e Lenny Bruce, e é a fronteira entre ambos que, ao longo de duas horas, desistimos de tentar definir. No entanto, fora da fita, as diferenças existem. Hoffman, então já estrela, tornou-se domínio público e dispensa comentários; LB nem tanto.
Antes de mais, os lugares-comuns: LB, junto com Mort Sahl, criou a moderna stand-up comedy (dizer americana será pleonasmo), enterrando fundo as sementes que dariam, por exemplo, Woody Allen e Richard Pryor. Com Sahl, LB foi talvez o primeiro a subir ao palco em traje de rua e o primeiro a fazer das notícias do dia, literalmente, de jornal em punho, a matéria do riso. Ambos judeus, o que é regra no meio, revolucionaram por instantes a figura do schlemiel, o inadapatado anónimo, que em seguida Allen devolveria ao cânone em versão actualizada e singularmente genial. Durante um breve tempo - não por acaso o do pós-guerra - com Sahl e LB, o judeuzinho urbano e tímido arriscou o salto, falou alto e grosso, enfureceu-se.
Depois, Sahl, limitado à sátira política, ingressou, aos poucos e até hoje, em relativa obscuridade. LB, patriota à sua maneira, apolítico e no máximo anticomunista, arriscou demasiado em todas as direcções: «Seis milhões de judeus encontrados vivos na Argentina.» No auge, que chegou a tê-lo, começou a espiral de prisões, droga, novas prisões e julgamentos que o arruinaram emocional e financeiramente. Em final de carreira e de vida, abdicou do humor e fez-se caso jurídico, resumindo as actuações a prédicas pseudo-legalistas.
O schlemiel irado cedeu a vez à bandeira pela liberdade de expressão nos EUA, cujos limites drasticamente alargou. Mas a bandeira só foi hasteada quando LB já não a podia saudar. Não contando a seringa e o garrote, morreu no centro de um vazio imenso e, para ele, incompreensível. Fim mais judaico, é difícil. Aliás, é esse fim silencioso e absurdo que germina e se adivinha durante os 111 minutos de «Lenny». E é por isso que «Lenny», fita macabra, é um assombro. Curiosamente, o próprio LB, ouvido agora em gravações várias, nem por isso. Se calhar, nunca o quis ser.

E o Togo, não manda nada?

Não sou especialista do ramo, mas julgo ser mau sinal que um país necessite de ajuda externa para combater incêndios. Sobretudo quando parte da ajuda provém desse oásis de tecnologia e progresso chamado Marrocos.

domingo, agosto 03, 2003

Merecidas vénias

O Aviz não é um bom blogue: é um dos melhores média portugueses. Por isso é tão redundante eu fazer-lhe referência. Mas pela referência que o Aviz me fez, justifica-se o agradecimento.

Nem de propósito

Mal critiquei os perigos do compadrio, recebo um post do João Pereira Coutinho, saudando o Homem a Dias. Felizmente, como é habitual no João, nem por instante a isenção cedeu terreno à amizade que nos liga, como aliás se comprova abaixo. Assim é que é bonito.
Aproveito ainda para lembrar que o João está aqui, está a lançar o seu site pessoal, que na altura própria comentarei de modo igualmente objectivo e rigoroso.

Alberto, Alberto:

Bom dia. Boa tarde. Boa noite. Um blog. Rico serviço. Soube da novidade e
resolvi confirmar. Por minha conta e risco. Deslizei da cama como uma
lagartixa asquerosa. Aproximei-me do computador. Descalcei a chinela e, com
o dedo do pé, liguei o bicho. Dedilhei a morada e esperei. Subitamente -
subitamente, foda-se!, puta que pariu!, ai o caralho!, corno de um raio!,
grandessíssimo cabrão! - tu tens um blog! Tu, o melhor de nós. Tu, o ser
humano mais íntegro, mais culto e mais divertido que conheço. Sim, tu
passarás a escrever. Diariamente. Privadamente. Comunitariamente. Ensinando
aos selvagens o muito que me ensinaste a mim. Com amizade e paciência.
Naqueles jantares breves - quatro horas, cinco horas, seis garrafas - em que
dissertavas sobre Beckett, Garrincha e o belo par da tua prima. [A
propósito: como vai a Teresinha?]
Neste momento inaugural, e em plena construção de site (faz o link, patife,
faz o link), só quero que vás à merda. E que partas uma perna. E que faças
tudo aquilo que é suposto fazeres: com talento e erudição. És a pessoa mais
livre que conheço. E, claro, és o meu melhor amigo. Mas, por favor, não
espalhes estas paneleirices. Ou eu digo à Teresinha.

João Pereira Coutinho

Chamusca e Sertã

Ou o humor dos incendiários é negro, ou a natureza é irónica, ou estas vilas foram baptizadas por profetas.

Aviso

O Homem a Dias é um blogue financiado, realizado e mantido por Alberto Gonçalves, obviamente dedicado ao próprio. Se cumprir metade dos objectivos a que se propõe, chegará a um terço dos calcanhares do Tudo o que Não Escrevi, sem um décimo da graça inadvertida e genial de EPC.

Circuito fechado

Que incontáveis graças cubram os responsáveis do Abrupto, Bomba Inteligente, Contra a Corrente, Flor de Obsessão e Intermitente. Numa rápida recolha, foram os primeiros a referir-se a este humilde blogue. Obrigadinho, malta.

Amizades perigosas

O meu pai, que já morreu, era amigo de Otelo Saraiva de Carvalho. Não digo conhecido, digo amigo porque era de amizade que se tratava. Uma amizade que vinha de longe e sempre se sobrepôs ao abismo ideológico que separava ambos. Eu, estive com o Otelo um punhado de vezes, a última das quais há quatro ou cinco anos, e aprendi com o meu pai a respeitá-lo enquanto pessoa privada, sem dúvida decente e leal. Ao meu pai, imagine-se, custava aceitar que Otelo fosse capaz das barbaridades que se lhe atribuem, quer como líder do Copcon, quer como alegado chefe das FP-25. Eu próprio faço-o com renitência e, apesar de tudo, irritam-me notícias semelhantes à que anteontem saiu no «Independente», destinadas a orientar o ódio de uma imensa direita e de certa esquerda.
A verdade é que, se calhar, o meu pai estava enganado e eu estou enganado. Segundo toda a evidência, aquela figura simpática e generosa abriga a mesma criatura que assinava mandados de captura em branco e comandava uma rede terrorista.
Contactar com Otelo, porém, anulou a possibilidade de avaliar, com justeza, Otelo. Isto vale para ele e para qualquer outro. Os juízos de valor implicam distância; a proximidade desfoca.
Eis uma explicação razoável para o estado da nossa opinião publicada. Salvo excepções, não temos comentadores, temos mensageiros, que passam recados nas páginas dedicadas ao efeito, exaltando compinchas, zurzindo desafectos. Nem vale a pena mencionar o espartilho partidário: Lisboa é pequena e provinciana (o Porto é pior), os restaurantes de jeito escasseiam e os bares em voga, por definição, são poucos. Toda a gente se roça mútua e publicamente aqui e ali. Antipatiza-se com uns, simpatiza-se com os restantes, não importa: o resultado é uma enviesada desgraça. Lembro-me de um «vulto» da crónica nacional a quem apetecia desancar Paulo Portas, mas que não o fazia «por ser amigo dele». A fidelidade ao amigo ficou-lhe bem; a profissão nem tanto.
À semelhança do IRS dos políticos, aos cronistas deveria ser exigida e tornada pública a declaração anual de relações pessoais. Ao menos perceberíamos de quem se fala quando se fala da «grande promessa que o parlamento revelou» ou desse «ministro emocionalmente débil, tendencialmente autoritário e um acabado cabrão». Ou sim, ou sopas. Os blogues, Deus os guarde, começaram pelo «sim», mas alguns já arrastam a colher para as «sopas». É a arte de ser português.

sábado, agosto 02, 2003

Lida da casa

Passei as últimas duas horas numa canseira. Corrijo aqui, rectifico ali, estrago acolá. Que querem? É o primeiro dia desta geringonça e digamos que a informática, mesmo se infantil, não é o meu S. Julião da Barra. Mas qual a primeira vez que não dá trabalho?

Efeitos secundários?

Acabo de saber que uma amiga minha está no hospital, a recuperar (?) de uma tentativa de suicídio. A minha amiga terminou, há coisa de meses, um casamento de dois anos com um marroquino, instruído, poliglota e bom muçulmano. Mesmo depois de largar o moço, a minha amiga continuou a abraçar Maomé, em todas as vertentes do exercício, até próximo da incomunicabilidade. Nada de ilações, por favor.

Jornalismo de referência

A propósito de Matosinhos, um semanário daqui estampou na capa, em letras tamanho «parem as máquinas», a seguinte manchete: «Quando Deus está distraído, Zás!, os homens ensandecem!» O assunto, quis-me parecer, era uma dissidência qualquer na direcção do corpo de bombeiros. Nelson Rodrigues, que os blogues referem à exaustão, condoía-se muito com o desaparecimento do título garrafal, exclamativo. Hoje, no cemitério de S. João Baptista, Rio de Janeiro, há-de haver um cadáver feliz.

Já agora

Para quem leu a frase e não o artigo, esclareço. Não acho que Portugal tenha chegado ao fundo do poço (e continuado para além dele). Pelo menos, não por causa da detenção do dr. Pedroso. Pior é o caso do sr. Brito, artilheiro do Leixões Sport Clube, que cumpre pena em Custóias por conduzir sem carta ou uma insignificância semelhante. Não ligo à bola mas, como inúmeros matosinhenses, espanta-me que o assunto não mereça súplicas ao Procurador Geral, arroubos de deputados e crónicas inflamadas na imprensa. O sr. Brito faz mais falta ao Leixões que o dr. Pedroso ao país. E o Leixões, perguntem aos devotos, não é uma nação é um mundo.

O problema do contexto

Ao tomar o primeiro café do dia, engasguei-me. Na colunazita do «Diz-se», o «Público» citou-me uma frase da crónica de ontem (muito obrigado, pessoal, é sempre estimulante vermos o nosso trabalho reconhecido e etc.). Infelizmente, a frase, solitária assim como estava, queria dizer o contrário do resto do texto. Não sei se foi acto deliberado ou mera distracção. Mas quando o dr. Rúben Carvalho escrever sobre «os reaccionários que acreditam que a globalização é uma enorme conquista da humanidade», gostaria de ver os senhores do «Diz-se» retirarem «os reaccionários que acreditam que».

Aviso

O Homem a Dias não pretende ser um espaço de debate, reflexão ou procura ideológica. Logo, não será aqui descoberta a bissectriz entre a social-democracia e o liberalismo. Também se promete não incluir, a propósito da questão iraquiana, excertos de 6800 caracteres dos melhores editorialistas húngaros, nem citar na íntegra os sete capítulos do De-Moralization of Society à mais vaga menção do telemóvel do dr. Ferro. No máximo, o Homem a Dias é um espaço sobre a vidinha do Alberto Gonçalves, assunto que me vai interessando e que me sinto habilitado a abordar com suma propriedade. Donde o blogue.