terça-feira, dezembro 30, 2003

Madi in heaven

Em abono do rigor, devo acrescentar que o «Escrítica Pop» (ver abaixo) não esgotou as possibilidades da minha socialização musical secundária. Por um lado, muitas referências do MEC deixaram de fazer sentido (tirando «Transmission» e «Atmosphere», os Joy Division não são grande coisa, pois não?); por outro, nem a fina rede que o Miguel lançou conseguiu captar certas pérolas só acessíveis a um ouvido erudito.
Um exemplo? Há umas semanas, a BD do Nuno Markl no «Inimigo Público» mencionava o tema «Lição de Português», de Madi, terceiro classificado no Festival RTP de 1980. Estremecido ante a súbita lembrança de tal maravilha, telefonei de imediato ao Fernando Alvim, compincha do anterior (do Markl, não do Madi), implorando cópia da canção - ou melhor, da Canção. Mas o Alvim, já se sabe, anda demasiado ocupado em sessões de autógrafos e não está para me atender com o cuidado devido.
Eis porque peço, encarecidamente, à blogosfera: alguém me arranja o mp3 do Madi? Vocês conhecem: era aquele rapaz extrovertido que falava a língua com dificuldade e que, por vezes, fazia duetos com o Sérgio Wonder, que não era cego mas era coxo. Aguardo contactos.
P.S.: estou a falar a sério.

Miguelismo

Hoje o «Blitz» (o «Blitz»!) distribui, em troca de 14 euros, o «Escrítica Pop», do sr. Cardoso, que a Assírio e Alvim decidiu oportunamente reeditar com duas décadas de atraso. Com a possível excepção da versão hardback de «Teleculinária (e Doçaria)», vol. II, Silva, Chefe (org.), não deve haver livro que eu tenha lido tantas vezes. E só não li mais porque, nos idos de oitenta, um amigo a quem nunca insultarei o suficiente mo ‘perdeu’ (sic). Por via das dúvidas, agora comprei três «Escrítica» e, oficialmente, deixei de ter amigos.

Foi Natal

Nos natais da minha infância, tempo em que a petizada pedia aos pais uma bicicleta, um ZX Spectrum ou um par de estalos, eu só sonhava ter uma coisa: 298 inbound links. Os meus pais, decerto para me traumatizar, nunca satisfizeram esta legítima ambição. Só agora, enquanto tropeço rumo à velhice, a blogosfera se uniu para me entregar o ambicionado presente. Aí está ele, e obrigadinho.
Resta-me, apenas, uma dúvida: os links funcionam a pilhas ou tenho de comprar o transformador por fora?

segunda-feira, dezembro 29, 2003

Contra o umbiguismo, marchar, marchar...

No Portugal real (mas republicano), toda a gente coça as costas a toda a gente. Na blogosfera, tal exercício, bem como o mero elogio fortuito, é alvo de intensa, embora tácita, censura. Mais dia menos dia, cai-lhe uma proibição em cima e eu estarei inteiramente de acordo. Donde não contem com panegíricos os blogues que agraciaram o Homem a Dias com as habituais - e lamentáveis - distinções de fim de ano.
Que o Carlos nem sonhe que o Contra a Corrente foi, junto com a Coluna Infame, um dos primeiros blogues que me habituei a visitar com regularidade, e que o acho um dos melhores exemplos do abismo de liberdade que separa este meio da imprensa ‘regular’.
E o Ricardo escusa de esperar que eu diga maravilhas do Babugem, entre as quais o facto de ser, hoje, a minha mais credível fonte de informação discográfica.
Quanto à Charlotte, essa está muito enganada se pensa que vou repetir o que já escrevi inúmeras e insuficientes vezes sobre o Bomba Inteligente: que é o melhor blogue nacional e ponto.
Estes, e todos os outros (ver links ao lado e não só) que revolucionaram a comunicação de um país abafado queriam elogios, comendas, retribuições, não queriam? Nem pensem. O Homem a Dias não vai nem acredita em grupos. Eu só acredito se ler no «Expresso».

Modo de vida

Anteontem, o «JN» citou uma frase da minha crónica no «Correio» e descreveu-me assim: ‘Alberto Gonçalves, analista’. Estava lá, em página par e por cima de uma declaração de Jorge Costa, futebolista. Eu julgava que analistas são os sujeitos que trabalham em clínicas e lidam com sangue, urina e dejectos vários. Afinal, não: analista sou eu, que me limito a escrever umas opiniões sobre o Governo, os costumes pátrios ou o dr. Louçã. Se calhar, é mesmo a definição mais adequada. Por via das dúvidas, já mandei imprimir novos cartões de visita.

terça-feira, dezembro 23, 2003

Carlos II

Sobre o ‘outing’, não tenho muito a acrescentar. Apenas realço o mais recente exercício da modalidade, ocorrido quando o dr. José Sócrates terminou um prefácio ao livreco de uma relíquia do PS-Porto com a proclamação: ‘Eu gosto do Orlando Gaspar’.
A única dúvida que o episódio suscita é saber se gostar do sr. Orlando Gaspar significa homossexualidade ou fetichismo.

Carlos

Meu caro, corrija-me se estiver enganado, mas a dra. Ana Gomes não é já activista do Hamas? Ela, pelo menos, pensa que sim.

segunda-feira, dezembro 22, 2003

Praticamente um João Gilberto

Hoje, cancelada à última hora uma ida a Lisboa, declarei-me de férias. Há tempo para ler o jornal nas calmas (incluindo os resultados da II Divisão B, zona Norte), adquirir um leitor de MP3, levar o carro à lavagem (capriche no interior, sff), conversar com os cães (actualmente, quatro), escrever um post ou dois. Compras de Natal? Cumprindo uma regra íntima instituída o ano passado, não faço compras de Natal, não dou prendas de Natal, não reconheço a existência do Natal.
E ainda por cima o dia está lindo, fresco e luminoso como se querem os dias e o moderno romance português. Só me apetece cantar - e dado que o blogue é mudo, vocês não sabem o que perdem.

Lá iria o Tozé Seguro para o BE

Uma pessoa lê a entrevista de Jaime Gama ao «Público» e pergunta-se: porque é que o PS não é mais parecido com o dr. Gama? E depois responde-se: porque um partido assim seria tudo menos socialista.

sexta-feira, dezembro 19, 2003

Alguém vai ter de pagar

Ouço com apreensão que o Fórum da Tsf vai gozar duas semanas de férias. Ou muito me engano, ou os índices da violência doméstica vão disparar nesse período. Não é Freud, é física: aquela energia toda terá de ir parar a qualquer lado.

quinta-feira, dezembro 18, 2003

Direitos humanos

Será excessivo confessar que não estou nada preocupado com o destino do sr. Saddam, contanto que ele sofra bastante?

O suplemento ideal

Hoje o «Público» vem com ‘Uma História Simples’. Os brindes dos jornais e o aborto (ver o CM de amanhã, sff) são as duas únicas insignificâncias em que não concordo com o João.

Quando um homem quiser

Natal? Não sou cristão. Prendas? Não preciso e, geralmente, não gosto. Família? Não a escolhi e, assim pudesse, na maioria dos casos arranjaria melhores opções. O melhor dia do ano é aquele em que chega a encomenda da Amazon. Para cúmulo, são muitos dias, decididos à minha vontade e que consigo celebrar em sossego.

Conversão islâmica

O computador já recuperou do vírus. Eu é que não: perdi ano e meio de trabalhos, incluindo crónicas (pff...), textos profissionais (pff...) e alguns mp3 preciosos (Deus Nosso Senhor me valha!). A recente pacatez do Homem a Dias deriva também daí, dado que me encontro em período de reflexão, na dúvida se escrevo uma carta indignada à sede da Microsoft ou se a destruo à bomba.

segunda-feira, dezembro 15, 2003

Um rato de plástico

Chamam-me reaccionário e eu rio com desprezo. Reaccionários apanham o vírus da gripe: eu apanho vírus informáticos, que me deixam o computador em estado de coma e o conduzem aos cuidados intensivos até data incerta. Por isso, só hoje posso comentar a pouca vergonha que os EUA encenaram no Iraque, para consolo dos simples. Não chegava a grotesca farsa do peru de plástico, com que Bush - o caipira do Texas - se apresentou no Dia de Acção de Graças a soldados de plástico, numa imitação de plástico do aeroporto de Bagdad. Agora ainda tiveram de mostrar ao mundo um Saddam de plástico, os festejos de iraquianos de plástico e, para cúmulo, alguns palestinianos de plástico, decerto por imposição da conspiração sionista.
Vale que há, em Portugal e no mundo, comentadores de carne e osso capazes de desmontar a palhaçada num ápice. A dra. Ana Gomes, caso exista, é só um feliz exemplo.

quinta-feira, dezembro 11, 2003

É indispensável (ou pelo menos útil):

1) Subscrever a opinião do Ricardo Gross sobre «Auto Focus» (que eu comprei na Fnac por uma fortuna e agora está na mesma Fnac ao preço dos monos das Edições Avante);
2) Congratular o Carlos Abreu Amorim, pela descendência e por este post.

Urbanidade

Livros há muitos. Mas raras são as obras que, mercê de caleidoscópica inovação estilística, abrem portas, escancaram janelas, desvirginam persianas, preparando o caminho para uma literatura que se deseja perpetuamente nova e que, diria EPC, retém no seu âmago os sinais que questionam essa originalidade essencial, assim como se a morte (ou a respectiva rejeição) se inscrevesse, cândida, nos gestos quotidianos, e erguesse cada instante à memória de um insuspeito (mas nem por isso menos trágico) epílogo. Livros de merda, portanto.
No último - wishful thinking, perdão -, no mais recente opúsculo de Urbano Tavares Rodrigues, cujo nome não me ocorre, há uma personagem, cujo nome não me ocorre, que é descrita da seguinte maneira:

«Fulana de Tal, apesar do seu revolucionarismo feminista, gostava do sexo às escuras.»

Parem, respirem fundo e deixem-se fulminar outra vez:

«Fulana de Tal, apesar do seu revolucionarismo feminista, gostava do sexo às escuras.»

A criação artística, quando inventiva e poderosa, é capaz de desencadear arrebatamentos irracionais. A miséria acima, por seu lado, desencadeia imediata galhofa, e é altamente desaconselhável a leitura de UTR enquanto se toma café num local público, sob pena de disseminar a beberagem pelas cinco mesas mais próximas.
Para além da alegria que proporciona, a principal vantagem de uma frase tão grotesca, analfabeta e vitalmente desprovida de qualquer sentido está nas possibilidades que oferece. Daqui para a frente, somos livres de escrever ficção sem as grilhetas da forma ou do conteúdo. Ou da inteligência, de resto. Como pretendera Feyerband para as ciências sociais, anything goes, tudo conta - e, afinal, era exactamente isto que tantos de nós esperávamos.
Eu próprio, por exemplo, comecei ontem o meu aguardado primeiro romance, cujo início hesito em definir, tamanha é a escolha:

«Mariana, apesar do seu masoquismo seminarista, apreciava a sopa morna.»

«Celestina, não obstante a sua dislexia emocional, delirava com uma bisca lambida nas tardes de Santarém.»

«Maria de Lurdes, mesmo desempregada e alta, era fervorosa coleccionadora de raminhos de cidreira e cordel.»

«Octávia, do âmago do seu estrabismo neoliberal, não passava ao lado de uma dança de salão.»

«Francisca, ainda que colonialista e portadora de Lupus, preferia o bolo-rei sem fava.»

Daqui ao Nobel é um saltinho. Obrigado, Urbano.

quarta-feira, dezembro 10, 2003

O único RAP de jeito

O Ricardo de Araújo Pereira faz o favor de me chamar (e ao João) ‘reaccionário de qualidade’. De um comuna genial como ele, presumo que seja um dos maiores elogios que uma pessoa pode receber. Por isso, e sem sombra de ironia, confesso a subida honra e, na modesta medida do possível, retribuo-a. [O paleio saiu um bocadinho a dar para o roto, mas uma vez passa.]

terça-feira, dezembro 09, 2003

Recordando Toninho, o perigo que vinha da direita

O Mar Salgado aponta os blogues como a continuação natural das partidas de futebol: uma pessoa parte para aqueles depois de abandonadas estas. Comigo, embora com uns vinte anos de intervalo, sucedeu exactamente assim. Donde, para efeitos de balanço e contas, acho que devo a essa fase ultrapassada da minha existência uma evocação a preceito. Aqui vem ela.

Ao longo da vida, uma pessoa pode mudar tudo: crença, partido, nacionalidade, nome, até o sexo (salvo seja). Não pode mudar de clube. Um clube não se escolhe - pertence-se de modo tresloucado e inato e irracional, sem qualquer motivo lógico que sustente essa pertença. Desejemos ou não, não há motivo, e não me venham com o argumento da 'nossa terra'. E se a 'nossa terra' tiver mais de um clube? E se formos de Lisboa? Somos do Benfica, do Sporting, do Belenenses, do Atlético, do Casa Pia ou do Oriental? Quem decide?
Ninguém decide. Vá lá saber-se porquê, há alguma coisa que acontece na cabeça de um fedelho de chupeta e que o leva a 'ser', por exemplo, do Oriental, ainda que o pai do fedelho morra de desgosto, que o Oriental tenha descido à sétima divisão em 1934 e que o seu maior craque actual receba uma pensão por deficiência motora. É assim, e quando assim é não há força que poupe o fedelho a um futuro previsivelmente melancólico.
Veja-se, por favor, o meu caso. 'Sou' do Benfica e do Leça. Por que carga de água? Tenho familiares 'leceiros', nunca tive familiares do Benfica, nasci em Matosinhos, vivi em Matosinhos, gosto de Matosinhos, gostei de Lisboa, não gosto de Lisboa, vivo praticamente em Leça da Palmeira e não perco grande tempo em Leça da Palmeira. É uma cegada, uma confusão da qual apenas se retira um facto: 'sou' do Benfica e do Leça, e quero que ambos ganhem sempre e estou sempre a dizer mal de ambos e não vejo as partidas de ambos já que ambos jogam sempre pouco e ganham sempre pouco para aquilo que eu queria que jogassem e ganhassem.
Mas a questão é: e o Leixões? É da minha terra? É sim senhor. É o meu clube? Não é, não senhor. Querem que minta? Não sou político e, a menos que uma coisinha ruim me roube as faculdades mentais ou me acrescente seis zeros à conta bancária, espero não vir a sê-lo. No entanto, devo informar a opinião pública que o Leixões Sport Club é a única instituição que beneficiou do talento do extremo-direito mais injustamente esquecido da história do futebol.
Refiro-me, sem falsas modéstias, a este vosso criado, que aí por volta de 1981 encheu o campo de treinos do Mar com a magia dos seus dribles sibilinos e o efeito letal dos seus cruzamentos sobrenaturais. Pela visão de jogo, chamavam-me o 'Médium-Ala'. Pela velocidade, alcunharam-me de 'Ala que se faz tarde'.
Quem descobriu o meu génio foi Óscar Marques, lendário treinador dos petizes, e o pormenor de eu ser sobrinho dele em nada toldou a sua perspicácia. No Leixões, realizei meia dúzia de treinos, momentos únicos que nenhuma câmara registou para a posteridade, mas que as testemunhas presentes à época recordam hoje com uma lágrima marota e pingo no nariz. Aos meus pais, o tio Óscar, perdão, o Mister, foi categórico: 'O Toninho joga com muita elegância!' Na altura, houve quem interpretasse isto como um reparo, mas eu percebi logo que o Mister percebeu que eu percebi que eu era grande demais para o Leixões. E que não poderia segurar-me.
A alternativa, a curto prazo, era sair para um 'grande', tipo Barcelona ou Gatões, mas a minha gratidão ultrapassava largamente a ambição e a cobiça. Jogador que se preze veste uma camisola na carreira e não a tira nem para tomar banho. Trocas, não eram e não são comigo. Consciente do dilema, anunciei ao mundo a minha retirada, no auge e com a seguinte proclamação (que estranhamente não foi inscrita em nehuma placa comemorativa): 'Para que o Leixões não me perca, perde-me o futebol!'
Indiferente ao drama que se gerou, com vagas de fundo, romarias e velinhas a N. S de Fátima, a partir daí dediquei-me ao ténis de mesa, a título individual e esporádico. Mas, fiel a rígidos princípios, jurei não voltar a integrar, oficialmente, outra equipa que não o LSC.
Fiquei adepto? Disse e repito: não se muda, não fiquei. Permaneci 'benfiquista' e 'leceiro', na qualidade de ocasional espectador de sofá. Mas, enquanto desportista praticante, o símbolo das raquetes cruzadas mantém-se, naturalmente suado e sujo, colado ao meu coração.
Um coração que evoca e agradece sentido os aplausos dos dois ou três monos anónimos que, sentados numa pilha de tijolos, contemplaram, há duas décadas, a arte e a técnica deste que se assina,

Alberto Gonçalves (o 'Toninho')

sábado, dezembro 06, 2003

Política cultural

«O Independente» publicou ontem a lista dos subsídios e dos espectadores de cada filme português estreado nos últimos cinco anos. Coisa linda: tivesse tempo, ficaria horas a contemplar aquilo. Não tenho. Limito-me a registar que, sobre os subsídios à cultura, a esquerda-Expresso invoca a complexidade do tema e evita simplismos redutores. Pelo que eu simplifico e reduzo: só veria com agrado que parte dos meus rendimentos ajudassem o sr. Pedro Costa a realizar «Sangue», «Ossos», «Entranhas» ou «Borbulhas» no dia em que o sr. Pedro Costa investisse os rendimentos dele no financiamento do Homem a Dias. Visto que sou bonzinho, o facto deste blogue ser muito mais visitado que todos os filmes do sr. Costa juntos nem faria parte das contas.

sexta-feira, dezembro 05, 2003

Demolidor

António Costa diz à penetrante «Visão»: ‘O PS tem de manter a ambição de governar com maioria. Se não for possível, deve liderar uma coligação com um programa comum.’
Em duas penadas, o dr. Costa calou todos os que defendiam que: 1) o PS deveria liderar uma coligação com programas divergentes; 2) o PS deveria integrar uma coligação em posição minoritária; 3) o PS tem de governar mesmo sem ganhar eleições; 4) o Scolari tem feito um trabalho assim-assim.

Acordo ortográfico

É a cooperação luso-brasileira em pleno. Logo depois do dr. Sampaio, na Argélia, condenar a ‘ocupação’ do Iraque e criticar as políticas israelitas (ver abaixo), Lula da Silva, na Síria, condenou a ‘ocupação’ do Iraque e criticou as políticas israelitas. Reconforta saber que o nosso presidente articula posições (sem segundos sentidos) com os grandes líderes do mundo civilizado. Quem está com Bush é lacaio; quem se entende com Lula é esclarecido (ou batata cozida, mas enfim).

Stardust

Ontem, pensei em escrever sobre Sá Carneiro. Desisti por falta de opinião relevante. Do período revolucionário (e pós), conheci, se assim se pode dizer, duas figuras. Otelo e Sá Carneiro. Otelo era amigo dos meus pais; Sá Carneiro, vago conhecido. Até 1976, julgo, Otelo era lá de casa, e nós de casa dele. Com Sá Carneiro, os encontros davam-se em ocasiões mais ou menos festivas, mais ou menos formais.
De Otelo, guardo inúmeras fotografias e alguns postais (um deles alusivo ao meu nascimento). De Sá Carneiro, a lembrança de uma refeição na mesma mesa, em casa de familiares meus, talvez em 1979. Os meus pais visitaram Otelo na prisão, mas votavam sempre em Sá Carneiro.
Há uns quatro anos, almocei em Matosinhos com Otelo e o meu pai, além de meia dúzia de perigosos esquerdistas. Há vinte e três anos, o Raul Durão surgiu na RTP para anunciar ao país a queda de um avião. O meu pai ficou calado; a minha mãe chorou. No dia seguinte, ao dirigir-me para o ciclo preparatório, reparei que os jornais que uma velhota vendia na esquina traziam um título de página inteira. As ruas estavam quase vazias. Não houve aulas. Para ninguém. O essencial das minhas memórias é partilhado com toda a gente.

Coitado do Jorge

Tenho-me visto demasiado ocupado com coisas sérias para acompanhar as prolíficas declarações do dr. Jorge Sampaio. Donde só ontem me informaram sobre as críticas que o sr. dr., de visita à Argélia, produziu sobre a ‘ocupação’ da Palestina e do Iraque (esta levada a cabo por Portugal, inclusive). Comentários? Lamento, mas não há. O único comentário possível a isto passaria por indagar a data em que o Circo Cardinali assentou arraiais na caixa craniana de Sua Excelência - o que talvez me acarretasse dispensáveis maçadas judiciais. Além disso, seria um evidente desrespeito pela mais alta figura da nação.

quarta-feira, dezembro 03, 2003

A minha política é o trabalho

Serve este post para esclarecer os eventuais leitores do Homem a Dias de que eu ainda existo: o meu tempo livre é que não. Há que ganhar a vida, a Fnac e a Amazon não vendem fiado, e o Blogger.com não me paga fez ontem quatro meses.

terça-feira, dezembro 02, 2003

Luzes da ribalta

É verdade, morreu Jesus Correia. Julgo que o meu avô, que na década de quarenta passou pela 1ª divisão, jogou contra ele um par de vezes. Certo é que se lhe referia com frequência e enorme respeito. Eu era fedelho e ouvia em sentido as proezas do homem que conciliava futebol e hóquei e sei lá o que mais e era óptimo em tudo.
Hoje, num jogo qualquer, também havia moços em sentido, no ‘minuto de silêncio’ que duram as exéquias da bola. A maioria deles nunca ouvira falar de Jesus Correia. Três ou quatro suspeitariam que se tratava de um velhote do Sporting, que ‘deu uns toques’ em época recuada e vaga. Estou a ser optimista: no máximo, disseram-lhes para se calarem e permanecerem imóveis enquanto o árbitro contava uma volta do ponteiro. Só isso. A memória anda pelas ruas da amargura, e, na vida deles, o silêncio não faz muito sentido. O barulho, sim. Os jornais, as televisões e o garrido folclore que os rodeia assemelham-se ao bocado de imortalidade a que pensam ter direito.
Um dia, talvez, algum privilegiado entre os moços merecerá o tratamento do minuto e do silêncio. Nessa altura, outros se imobilizarão no relvado, na partilha regulamentar dessa saudade burocrática e triste. Mas, hoje, nenhum daqueles rapazes se imagina no papel. Eles são manchete quase diária, e a «A Bola» não faz manchetes de defuntos.

segunda-feira, dezembro 01, 2003

Modelos e referências

Durante um concerto recente, e para garantido júbilo das massas, os Radiohead resolveram gozar à grande e à francesa com o primeiro-ministro britânico. Bem me parecia que, além do apoio à intervenção no Iraque, tinha de haver alguma outra razão para gostarmos do sr. Blair.

Comunicado

A Susana Costa escreve palavras simpáticas sobre o Homem a Dias e deixa implícita a incontornável questão: estarei eu a pensar retirar-me (da blogosfera)? Deixo duas respostas: a oficiosa, para efeitos de publicação e reprodução mediática; e a pessoal, que, se instado a comentá-la em público, à saída do Diap ou onde calhar, negarei de imediato.

Resposta oficiosa:

Cara Susana,
dirigindo-me a si na qualidade de blogueiro, em boa verdade confesso-lhe certo cansaço. Blogar todos os dias é uma tarefa que exige amplo esforço e funda dedicação. Só dessa forma se mobilizam as vontades capazes de imaginar, produzir, realizar e levar até si o Homem a Dias, por exemplo.
Não nego, obviamente, que criei o blogue imbuído de um forte espírito de missão [N. R.: missa muito longa], ciente dos encargos que o mesmo acarretaria à minha vida profissional e, direi mesmo, privada. De igual modo, também não nego que essa dedicação missionária permanece bem presente, pese todos os sacrifícios, injustiças e obstáculos que a Susana com certeza supõe, e que, diariamente, temos de ultrapassar. Num País que não reconhece com devida justiça a labuta dos seus mais pródigos filhos - e aqui falo-lhe na qualidade de cidadão -, tal luta afigura-se-me uma tarefa duplamente árdua, contra ventos e marés, chuviscos e trovões.
Todavia, e agora volto a pronunciar-me na qualidade de blogueiro, ‘nunca’ é palavra ausente no dicionário blogosférico. Pelo que me recuso a proclamar, definitivo, que o Homem a Dias pode acabar em breve. Ou que não pode. Prefiro deixar que o tempo, esse sábio ourives [N.R.: escultor] decida que destino dar a um blogue que os internautas, na sua esmagadora minoria, souberam acarinhar e consagrar. Aguardo, pois, uma vaga de fundo. Quanto ao sentido da vaga - introduzo a minha qualidade de sociólogo - não mo pergunte, cara Susana, que os desígnios das massas são da ordem do insondável.


Resposta pessoal:

Cara Susana,
Quem lhe sugeriu que o Homem a Dias ia acabar? Que eu saiba, não vai. Beijinhos.